Para o Financial Times o Brasil é um “paciente na UTI”. E eles não sabem metade da história.
Poucas
coisas são tão emblemáticas quanto a relação do governo brasileiro com a
mídia estrangeira. Para o partido do governo, o PT, o que parece valer é
exatamente o oposto daquilo que descrevia George Orwell, segundo o qual
“jornalismo é dizer aquilo que não querem que você diga, todo o resto é
propaganda”. Com a mesma velocidade em que se utiliza de capas
favoráveis como a da The Economist com o Cristo Redentor decolando, governistas se apressam em dizer que capas negativas representam uma “intromissão dos estrangeiros na política brasileira”.
No início de seu primeiro mandato, Dilma chegou a dizer que “nenhuma revista estrangeira irá fazê-la demitir um ministro”,
algo que soou um tanto quanto irônico dado que as capas semanais da
revista Veja derrubaram inúmeros ministros em seu mandato. Ao que
parece, o problema reside sempre com os estrangeiros. Para a mídia,
porém, isso raramente importa. Acostumados a manter uma visão e uma
linha editorial clara, os jornais ingleses emitem opiniões com relativa
frequência, sem se preocupar com o mito da imparcialidade.
Em uma das mais contundentes declarações recentes, o centenário Financial Times declarou que o caso brasileiro é o que se poderia chamar de “um paciente na UTI”.
A análise do FT é profunda e certeira – retrata como nenhuma revista ou
jornal brasileiro o peso de um Congresso inepto em meio a um ajuste
fiscal sem qualquer preocupação em poupar o governo. Como vimos
recentemente, o cenário é tão confuso que o próprio presidente do
Partido dos Trabalhadores convocou seus militantes para protestar contra
as políticas do governo. Em suma, o Financial Times comenta com grande
precisão aquilo que temos comentado constantemente aqui. O tal ajuste
fiscal, que busca equilibrar as contas destruídas pela primeira gestão
Dilma, não é um ajuste de fato, mas algo, se me permitem a expressão,
“para inglês ver”. O FT viu. E não acreditou.
Em um outro momento, em seu primeiro mandato, Lula realizou um longo e profundo ajuste – chegou a bater o recorde
de maior economia para pagar os juros da dívida em toda a história do
país. A diferença para o ajuste atual reside exatamente no apoio. Lula
contava com o apoio da sociedade, do seu partido, do Congresso e de uma
ampla gama de economistas liberais em seu governo que garantiam
credibilidade ao ajuste. Trata-se do exato oposto do governo Dilma.
Para a
análise do Financial Times, o momento, que entra para a história como a
segunda vez em que o Brasil tem uma dupla recessão econômica em 120 anos
(a outra
foi nos anos de 1930 e 1931, após a crise de 1929), possui causas bem
nítidas no próprio governo. Trata-se não de uma consequência inesperada,
mas de uma bomba plantada com esforço pelo próprio Planalto, e que
agora encontra dificuldade em ser desarmada, graças a um governo fraco e
um Congresso mais preocupado em salvar a si mesmo da operação Lava-Jato
do que poupar a governabilidade.
A análise,
porém, é bastante restrita no tempo. Os problemas políticos e
econômicos do Brasil são históricos e bem enraizados. Aqui, não se trata
de um mero caso de escândalo de corrupção que, como se sabe, é mais
consequência que causa da inabilidade política. Historicamente os
governos brasileiros se opõem por um falso dilema – o de que é preciso
gerar estabilidade para então gastar e fazer a economia crescer. Esta é a
razão de tantos governos realizarão ajustes que permitirão ao
Planalto voltar a gastar até que um novo ajuste seja necessário.
Tal ideia
se pauta em uma falsa lógica de que o crescimento deve ser induzido pelo
governo; de que mais relevante do que se preocupar em garantir uma
moeda forte, conter despesas para fazer os juros caírem, ser austero em
gastos para permitir que as famílias gastem mais consigo mesmas, ser
previsível em suas leis para permitir um melhor planejamento, é garantir
aquela falsa ajuda ao capitalismo – que no fundo não passa de uma
mera ajuda às grandes corporações.
Desde
Vargas e seu BNDES, o governo brasileiro possui um certo fetichismo de
que crescer é desenvolver a indústria. Em nome desta causa, o Planalto apoia medidas
que retiram bilhões de reais dos bolsos dos trabalhadores anualmente
para injetar em corporações como a Odebrecht e outras tantas,
responsáveis por mais de 70% do crédito subsidiado do BNDES em
determinadas áreas como exportações (ao todo, o subsidio do BNDES
custará ao Tesouro R$ 38,6 bilhões apenas em 2016, cerca de 1,4 vezes o custo do Bolsa Família).
A ideia de
que a economia se move não pela estabilidade, pelo aumento de poupança e
confiabilidade do governo, mas pelos planos econômicos
no melhor estilo de “planos quinquenais” (aqueles mesmos com os quais
se planejava o desenvolvimento da União Soviética), levou o Brasil a
vivenciar uma série de grandes planos, inevitavelmente frustrados pela
incapacidade de gestão do próprio governo. Vimos um Plano de Metas, PND,
PND II, Avança Brasil e as incontáveis versões do PAC, intercalados por
tímidas versões de planos que pensassem o pequeno empreendedor, aquele
responsável por 99% das empresas do país e que empregam 52% da força de
trabalho. Somos um país de mais de 6 milhões de pequenos
empresários que merecem menor atenção do governo que quatro famílias de
empreiteiras.
Certamente não
se pode negar que um ajuste macro tenha invariavelmente impacto em
pequenos empresários. Seria tolice comparável aos defensores da ideia de
que não se come PIB.
Indicadores macros são importantes como um todo, mas certa atenção aos
microempreendedores é vital. Cuidado com regras e instituições
transparentes, e maior segurança jurídica, são parte importante para
reaquecer a economia. E é justamente este o maior destaque do ajuste
fiscal comandado pelo atual presidente do Insper,
em 2005, que criou o empréstimo consignado e melhorou as regras de
financiamento bancário, levando a um longo ciclo de crescimento do setor
(ou você tinha ilusão de que foi o Lula quem fez isso?), interrompido
apenas quando o governo decidiu inflar os números do setor com crédito
artificial.
O artigo
do FT peca em não distinguir estes pontos entre um ajuste que dá certo e
um que fracassa, mas age de forma irrefutável ao demonstrar que o país
se preparou extremamente mal para o momento de desaceleração da economia
mundial e em um arrefecimento do crescimento chinês. Isto torna o
cenário futuro bastante incerto quanto ao grau do estrago – o que
sabemos apenas é que ele virá.
Apenas
neste ano os gastos com juros devem superar R$ 480 bilhões, contra R$
311 bilhões do último ano. O custo com o aumento da taxa de juros para
conter a inflação e impedir que os empresários sigam o governo, que
reajusta os preços controlados (gás, combustível, energia etc), tem seu
peso. Cada 1 ponto percentual na taxa SELIC custa aproximadamente R$ 36
bilhões. A consequência é, como comentou o FT, um aumento expressivo na
relação de endividamento do país, podendo chegar a 70% nos
próximos anos, caso a recessão de 3% em 2015 e de 2% em 2016 se
confirmem. Quanto menor o crescimento da economia, maior a necessidade
de cortar gastos, o que dado o caráter obrigatório dos gastos públicos é
algo cada vez mais difícil no Brasil.
Os
economistas costumam diferenciar os cortes de gastos feitos pelo governo
daqueles que você faz na sua casa através de uma única diferença. Toda
vez que o governo corta gastos, ele gera menor demanda na economia, e
assim reduz a produção, que reduz a arrecadação de impostos. Este é um
dos fatores (questionável, dado que os gastos são muitas vezes
artificiais). O outro e mais claro de se perceber é aquele ocasionado
pelo aumento de impostos. Algumas pessoas costumam fazer contas de
padaria – a velha regra de 3, definindo que se hoje arrecadamos R$ 100
com uma alíquota de 10%, ao dobrarmos a alíquota para 20%, arrecadaremos
R$200. Porém, como a curva de Laffer
demonstra, ao se ampliar constantemente os impostos inevitavelmente se
afeta a arrecadação – pois com mais impostos, menos é consumido e menos é
arrecadado.
Isto
explica parte da queda de arrecadação do governo, o que dá ao ajuste um
peso muito maior do que teria se fosse feito em um momento de euforia
econômica. Como uma reportagem recente demonstrou, o ajuste foi adiado em quase 1 ano, pois Dilma preferiu sacrificar as contas públicas em nome da reeleição.
Esta
irracionalidade política é algo que a matéria do FT não conseguiu
captar, certamente por seus jornalistas estarem acostumados a debates
mais claros e a uma bem dividida linha política (entre conservadores e
trabalhistas que se assumem como tal). O FT não foi capaz de perceber o
jogo político brasileiro por inteiro. É esta falta de conexão do governo
(o que inclui Legislativo, Judiciário e Executivo) com as ruas, com o
dia a dia do país, que nos afasta de soluções verdadeiras, que melhorem
nosso aspecto institucional e ponham um freio nos políticos e no estrago
que eles podem ocasionar.
Enquanto o
país espera por mais algumas décadas por uma reforma tributária que
simplifique a cobrança e reduza o peso do governo sobre os mais pobres,
uma reforma previdenciária que permita às pessoas serem donas do próprio
futuro e não apenas uma fonte de renda para a gastança do governo (algo
que, mude o sistema atual que se assemelha a pirâmides para um modelo
de fundos de pensão), uma reforma que impeça o governo de criar dívida
para privilegiar bancos, empreiteiras ou quem quer que seja (ou seja,
uma lei de responsabilidade fiscal que sirva para a União), seguiremos
invariavelmente na UTI. Ou ainda pior. Independentemente do que a
imprensa estrangeira diga ou deixe de dizer.
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